1 de maio de 2010

Uma Contra-fábula (parte 3)

- Ah, Seu Detetive... Ontem eu passei por aqui e não estava assim, à noite fiquei cantando em minha casa e percebi uma barulheira vinda dessas bandas, mas como a bicharada não gosta de mim nem me dei ao trabalho de ver do que se tratava. – respondeu ela, feliz por ser levada a sério por algum animal da fazenda.
- Certo, certo. Algum parecer a acrescentar? – disse o Rato.
- Bem... O pessoal está acusando a Raposa, mas apesar dela ser um bicho ligeiro eu a vi dando a volta na fazenda a caminho do galinheiro. – a Cigarra respondeu timidamente. – Acho que isso é tudo, senhores.
- Obrigada, Dona Cigarra. – agradeceu gentilmente o esquilo e os dois detetives se afastaram dali em direção ao galinheiro.
- Rato, o culpado deste caso já está claro para mim! – confessou o pequeno roedor de nozes.
- Sim, sim. As provas são claras e evidentes. – completou o Rato.
- Acho que devemos ir o quanto antes resolver este caso antes que a Raposa seja sentenciada culpada de uma vez e mais algum animal se prejudique! – disse o Esquilo Detetive.
Os dois se dirigiram para o velho celeiro da fazendo quando perceberam a confusão. A Raposa tinha tentado fugir subindo num velho pé de Ipê Amarelo. O Sabiá e Andorinhas gritavam pra avisar os outros, os policiais bois tinham decidido derrubar a árvore, a Vaca-Delegada tentava acalmar os avestruzes que tinham se decidido a acabar de uma vez por todas com a Raposa. E para ajudar, o Cachorro da fazenda saiu correndo, latindo alto e nos intervalos uivando pra avisar que os humanos estavam desconfiando de algo errado.
A bicharada daquela fazenda de avestruzes Monte Alegre era diferente de qualquer outra. Afinal não é todo dia que se vê uma Vaca-Delegada, um avestruz que some da noite para o dia e um Cachorro mais atrapalhado do que pato!
O Cachorro era um belíssimo labrador, com pêlos dourados. De longe, aparentava imponência, agilidade em bicho! Mas quando se aproximava percebia-se o quanto era desconcertado, tropeçava sozinho, sempre com a língua pra fora e uma expressão feliz, a que todos chamavam de bobo.
O fato é que o Cachorro vem correndo todo alvoroçado, acabou empurrando os porcos que fizeram uma égua tropeçar e cair de bunda no formigueiro. Aquilo levantou a terra do formigueiro e revelou o que os dois detetives já sabiam: um avestruz!
A confusão foi geral, um cavalo alazão tinha conseguido segurar a Raposa, três coelhos voaram no pescoço dela, as galinhas gritavam desesperadas com o avestruz amarrado no formigueiro, as formigas se esconderam o máximo que puderam.
O Esquilo Detetive não agüentava mais, deu um grito assustador pra um animalzinho tão pequeno:
- SILÊNCIO!
O resultado obtido foi satisfatório, os animais mal se atreviam a respirar. Sabendo que aquilo não iria durar muito tempo, adiantou-se e começou a explicar:
- A Raposa é inocente. O culpado do seqüestro do pequeno avestruz, ou melhor, culpadas como podem ver, são as formigas! Sim a Raposa deixou suas pegadas ali, acontece que ela se dirigia ao galinheiro, deu a volta em toda a fazenda para lhes causar surpresa. Acontece que pelo outro lado ela se deu conta que encontraria o cachorro e a coisa não sairia bem, por isso voltou e fez o percurso menor, mas com a agitação no estábulo ela se assustou e saiu correndo, por isso o pêlo preso em uma das vigas de sustentação.
O Esquilo fez uma pausa para respirar e um das galinhas se adiantou:
- Eu disse que Raposas nunca são confiáveis!
A outra aproveitou a companheira e continuou:
- É, fala que estava em reabilitação e tinha se tornado vegetariana, uma ova!
Vendo que aquilo tornaria a confusão maior que a anterior, continuou com a resolução do caso.
- Pretendo continuar se as senhoras permitirem. – disse o Esquilo cordialmente, o que fez a Vaca-Delgada tomar a frente.
- Aqueles que se atreverem a atrapalhar o Detetive estarão sujeitos a prestar contas com a Lei.
– Todos se calaram, as crianças prenderam a respiração.
- Obrigado, Excelentíssima... Onde eu estava? Isso... Mas se os senhores se dirigirem até o local do crime e com auxílio de alguma lupa no caso de animais maiores, constatarão pequenas pegadas. Pegadas pequenas demais para coelhos, esquilos ou ratos. Pegadas de insetos. Mas não é uma pegada, são várias, de vários insetos. O que serve como prova final é o depoimento da Dona Cigarra que ajudou-nos a fechar o caso. De ontem para hoje, o formigueiro teve um aumento significativo, aproximadamente umas 15 vezes o tamanho natural. E tal feito só seria possível com anos e anos de trabalho ou colocando um avestruz lá.
A exclamação de “Ohhhhh!” foi geral, estavam surpresos e indignados. Quem poderia acreditar que criaturinhas tão simpáticas como as formigas poderiam fazer uma coisa daquelas?!?
- PEGUEM AS FORMIGAS!
Todos se voltaram para o formigueiro, mas prevendo essa reação o Rato e o Detetive haviam combinado que um deles esperaria no formigueiro com um grupo de tamanduás que habitavam um bosque próximo à fazenda. Lá estava o Rato com o grupo cercando o formigueiro.
Os animais pararam, ninguém ousou passá-los. Uma a uma, as formigas estavam sendo retiradas e levadas pra uma redoma de vidro, ficariam ali até o julgamento que a Vaca-Delegada estava encarregada de marcar. Estavam estipulando as indenizações a serem pagas para os avestruzes e a Raposa. Os animais se desculparam com a Raposa e a Cigarra e parece que a fazenda Monte Alegre, em Avaré, tinha voltado ao seu ritmo de sempre.
Mas... Esperam! Ainda pairava no ar uma dúvida. Por que as formigas teriam seqüestrado o Avestruz? E como teriam feito isso? O formigueiro todo foi interrogado e no começo ninguém aprecia disposto a falar. Mas o detetive teve a brilhante idéia de colocar um pouco de açúcar por perto e disse que cada formiga só comeria um grão se dissesse a verdade.
Foi o que bastou! Logo todas confessaram que usaram um ferrão de vespa para atordoar o jovem Avestruz a ponto de conseguirem amarrá-lo. Depois todas as formigas se juntaram para carregá-lo sobre as pegadas da raposa, de volta ao formigueiro.
- Mas por quê? O que vocês pretendiam? - indagava a Delegada.
- Ovos. Queríamos ovos!
- Ovosssss? - todos os presentes se espantaram.
- Sim, - respondeu uma formiga operária. - ovos de ouro, como os das galinhas. Pensamos que se tivéssemos ovos de ouro, todos nos respeitariam e parariam de nos pisar o tempo todo.
- Ouvimos uns humanos falando sobre galinhas botando ovos de ouro. - continuou outra formiga.
- Então decidimos conseguir alguns, e então seriamos os insetos mais poderosos! Cansamos dessa história de só trabalhar e trabalhar sem ter nada em troca! Mas ai pensamos que seria melhor um ovo maior... Ai seqüestramos o Avestruz.
- Mas eu sou macho! - gritou o jovem Avestruz que observava a tomada do depoimento lá de longe. - e nunca vi ninguém aqui botar um ovo de ouro.
As formigas se entreolharam. Uma deu um tapa nas antes da outra :
- Eu disse que havia algo errado! Você escolheu o avestruz errado! E bem que a Formiga-Mãe disse que esse negócio de ovos de ouro era um mito!
Todo mundo caiu na risada. Agora sim a fazenda Monte Alegre poderia voltar à normalidade, com seu cachorro trapalhão, seus avestruzes ligeiros, galinhas barulhentas, e todos aqueles animais tão especiais. Ah, e é claro, um bando de formigas presidiárias entristecidas por descobrirem que não é tão fácil assim conseguir um ovo de ouro.